O Ponto Cego

janeiro 2, 2013

cegueira

Há um espaço invisível de mundo para quem dirige um automóvel chamado popularmente de ponto cego. Fica na parte traseira do carro, do lado oposto ao motorista. É um ponto impossível de ser visto no espelho retrovisor, mesmo se for feita a arriscada manobra de virar a cabeça para trás. Neste espaço reina a imaginação projetada e a insegurança.
Mas a expressão ponto cego se origina, de fato, a partir de uma curiosa falha em nosso campo visual. Todos os seres vertebrados com exceção dos cefalópodes – popularmente conhecidos como a lula e o polvo – apresentam um ponto na área de visão onde faltam células fotorreceptoras. Sei disso não por conta do Google, mas sim pela Enciclopédia Barsa, onde aprendi a ler e me divertir olhando todo tipo de bizarrices da natureza. Esta foi uma das que mais me chamou a atenção, a ponto de nunca ter esquecido.
Nesta região da visão a luz não é captada pelo nervo óptico e a imagem não se forma. Terminamos então “imaginando a imagem”, a partir de informações cerebrais e com o generoso apoio de nosso outro olho, onde o tal ponto cego está em outro local.
Não creio que existam dados precisos do quanto o ponto cego humano ou o do automóvel representam de perigo em nossas vidas, mas não é exagero supor que muitos acidentes são gerados por este traiçoeiro limite da visão. Um dia prometo aprofundar a pesquisa sobre o tema. Neste momento trata-se de mera analogia.
Na verdade a referência ao ponto cego serve como paralelo a uma situação que estou acompanhando com especial interesse dentro das plataformas e ferramentas online de comunicação, simploriamente chamadas de redes sociais. Temos nestas redes um inequívoco ponto cego, também invisível e tremendamente perigoso para quem escreve, publica ou lê conteúdos pela internet.
O ponto cego no mundo online permite, por exemplo, que opiniões se transformem em sentenças numa velocidade estonteante. De forma rasa, cruel e quase sempre descontrolada, boa parte dos usuários conectados percorrem letras, palavras e frases sem conseguir visualizar o que há de mais importante em um texto: a riqueza e o sentido das ideias. Na maior parte das vezes isto se dá porque o que é publicado realmente não tem mesmo nenhum sentido.
Surgem então o que chamo de cegueira virtual, que gera acidentes de percurso cada vez mais graves nos espaços de relacionamento e compartilhamento online, bombardeados 24hs por dia por palavras e frases soltas, quase sempre vitimadas pela vulgaridade.
Não saberia dizer se este ponto cego virtual é fruto da falta de tempo das pessoas, da pouca informação ou conhecimento dos fatos, ou se é apenas o resultado de mudanças drásticas nos modelos da cultura coletiva e da comunicação em rede. O mais provável é que seja tudo ao mesmo tempo.
O que percebo são pessoas cada vez menos atentas ao que escrevem e menos ainda ao que leem, disseminando quase sempre conteúdos rasos, desprovidos de fundamento e pobres em sentido e relevância. Empolgados com suas poderosas ferramentas de publicação, estes novos atores da comunicação terminam envoltos em ideias com baixíssimo índices de aprofundamento intelectual, técnico, teórico ou humano.
Mesmo alguns amigos ou conhecidos que, tenho certeza, renderiam maravilhosos debates em uma mesa de bar, nas redes sociais me parecem estar resignados a confirmação dos princípios dogmáticos do sim e do não, da verdade e da mentira, do certo e do errado, do verdadeiro ou falso. Também a auto-estima me parece não ser um ativo vigoroso no mundo online, tamanha a necessidade das pessoas em buscar pela internet afirmação e aplausos, baseado sempre no que dizem, nunca no que pensam ou fazem.
Esta superficialidade chega a extremos de esquizofrenia quando as pautas rondam os temas da política, da religião e do futebol. Neste casos o ponto cego ocupa quase todos os raciocínios e espaços, levando as timelines de gente séria muitas vezes à beira do ridículo, quando analisadas com um mínimo de sentimento crítico.
Mas como sou otimista, seja no trânsito, na ciência óptica ou nas plataformas online de comunicação, quero crer que tudo depende da capacidade de visão do autor e da perspicácia do receptor, virtudes ainda construídas no chamado mundo offline, também conhecido como vida real.


De volta..

novembro 30, 2012

Volto com meus textos e com o blog. Basicamente dando pitaco sobre tudo. Segue o baile!


Debates na TV: o fim de um modelo..

setembro 13, 2010

Os debates eleitorais nos canais abertos de TV estão despertando cada vez menos o interesse dos eleitores. Eles trazem consigo uma velha concepção de “oportunidade para o conhecimento dos candidatos e suas propostas” forjada em premissas antigas, do tempo em que não existia a internet e que a comunicação e a informação eram commodities exclusivas de jornais, revistas, rádios e TVs.

Estas eleições estão permitindo uma série de novas reflexões sobre as formas de participação da população no debate político. Pela internet cada eleitor ganhou o direito de protagonizar a disseminação de informações e diariamente aumenta o número de pessoas que exercem ativamente o papel de formadores de opinião dentro das suas redes de relacionamento online.

O direito à manifestação de idéias e ao debate permanente de temas políticos através das plataformas web e mobile está reformulando a própria lógica da interdependência da classe política e do poder público com os meios de comunicação.

A horizontalidade no compartilhamento e na distribuição de informações pela rede, além de democratizar o processo político, quebra a espinha dorsal do poder que sempre detiveram as empresas da chamada “mass media”, na medida em que desaparece a necessidade orgânica de intermediação entre a fonte, a informação e o cidadão.

Surge e se consolida então com a internet o poder de geração e distribuição de informações em tempo real, antes possível para um cidadão somente em sua rotina offline, em casa, no trabalho, nas ruas. E quase sempre limitado aos ambientes de relacionamento próximos a cada indivíduo.

No mundo offline, jamais as pessoas tinham acesso direto aos candidatos, aos governantes ou às estruturas que os cercam. Hoje, com a internet, as demandas e respostas são imediatas, o que vem causando uma verdadeira revolução no comportamento historicamente conservador, autoritário e arrogante das classes políticas em relação à sociedade civil.

Este novo e democrático ambiente de atuação e manifestação individual que se constrói e se movimenta pela internet, em especial pelas redes sociais, não tira ou diminui a importância da experiência vivida por cada eleitor no seu dia-a-dia, mas gera novos poderes aos cidadãos. Principalmente o poder de informar e ser inforfmado a partir de critérios pessoais construídos em redes de confiança.

Os debates nas redes abertas de TV trazem o ranço da comunicação vertical e da informação unidirecional, na medida em que não permitem, nas suas dinâmicas, nenhuma forma de interação ou participação dos eleitores. Um modelo de produto midiátiico fadado a se extinguir por inanição.

As empresas de comunicação de massa só insistem neste modelo de debates porque relutam em aceitar a revolução de matrizes gerada pelas mídias sociais através das diversas redes e ferramentas de relacionamento, participação e interação, totalmente sob domínio dos internautas.

Muito em breve todos os telespectadores serão internautas. Este será o passo definitivo para que os debates nas TVs se esgotem como modelo de comunicação com os eleitores. A nova organização social que se forma pela internet determinará as melhores formas de conhecer os candidatos e suas propostas. Com certeza este será um processo diário, em tempo real e que pautará a mídia offline, o que de fato já vem ocorrendo nesta campanha.


Quando um ombudsman não pode calar..

setembro 12, 2010

A sequência violenta e desconexa de ataques que a Folha de São Paulo vem fazendo à candidata Dilma Roussef rendeu uma inevitável crítica da ombudsman do jornal paulista, Silvana Singer. Entre outras verdades, a jornalista afirma que a cobertura feita pela Folha nas eleições é, no mínimo, desequilibrada..

Veja aqui o conteúdo publicado hoje na edição impressa. E abaixo, na íntegra, a cópia do texto. A Folha de São Paulo infelizmente não disponibiliza gratuitamente seus conteúdos para os internautas..

OMBUDSMAN

SUZANA SINGER – ombudsman@uol.com.br @folha_ombudsman

O ATAQUE DOS PÁSSAROS

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A manchete de domingo desencadeou uma onda anti-Folha no Twitter, que o jornal ignorou

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A FOLHA VEM se dedicando a revirar vida e obra de Dilma Rousseff. Foi à Bulgária conversar com parentes que nem a candidata conhece, levantou a fase brizolista da ex-ministra, suas convicções teóricas e até uma loja do tipo R$ 1,99 que ela teve com uma parente no Sul. Tudo isso faz sentido, já que Dilma pode se tornar presidente do Brasil já no primeiro escrutínio que disputa.

Mas, no domingo passado, o jornal avançou o sinal ao colocar na manchete “Consumidor de luz pagou R$ 1 bi por falha de Dilma”.

O problema nem era a reportagem, que questionava a falta de iniciativa do Ministério de Minas e Energia para mudar uma lei que acabava por beneficiar com isenção na conta de luz quem não precisava.

Colocar uma lupa nas gestões da candidata do governo é uma excelente iniciativa, mas dar tamanho destaque a um assunto como este não se justifica jornalisticamente.

Foi iniciativa de Dilma criar a tal Tarifa Social? Não, foi instituída no governo Fernando Henrique Cardoso. É fácil mexer com um benefício social? Não, o argumento de que faltava um cadastro de pobres que permitisse identificar apenas os que mereciam a benesse faz muito sentido. Existe alguma suspeita de desvio de verbas? Nada indica.

O lide da reportagem dava um peso indevido ao que se tinha apurado. Dizia que a propaganda eleitoral apresenta a candidata do PT como uma “eficiente gestora”, mas que “um erro coloca em xeque essa imagem”. Essa tem que ser uma conclusão do leitor, não do jornalista.

Uma manchete forçada como a da conta de luz, somada a todo o noticiário sobre o escândalo da Receita, desequilibrou a cobertura eleitoral. Dilma está bem à frente nas pesquisas de intenção de voto e isso é suficiente para que se dê mais atenção a ela do que a seu concorrente, mas, há dias, José Serra só aparece na Folha para fazer “denúncias”. Nada sobre seu governo recente em São Paulo. Nada sobre promessas inatingíveis, por exemplo.

Os leitores perceberam a assimetria. Durante a semana, foram 194 mensagens à ombudsman protestando contra o noticiário, mas o maior ataque ocorreu no Twitter, a rede social simbolizada por um pássaro azul, que reúne pessoas dispostas a dizerem o que pensam em 140 caracteres. Até quinta-feira passada, tinham sido postadas mais de 45 mil mensagens anti-Folha.

CRIATIVIDADE

Os internautas inventaram manchetes absurdas sobre a candidata de Lula: “Empresa de Dilma forneceu a antena para o iPhone 4”, “Dilma disse para Paulo Coelho, há 20 anos: continue a escrever, rapaz, você tem talento!”, “Serra lamenta: a Dilma me indicou o Xampu Esperança” e “Errar é humano. Colocar a culpa na Dilma está no Manual de Redação da Folha”.

O movimento batizado de #Dilmafactsbyfolha virou um dos assuntos mais populares (“trending topics”) do Twitter em todo o mundo, impulsionado, em parte, pela militância política -segundo levantamento da Bites, empresa de consultoria de planejamento estratégico em redes sociais, 11 mil tuítes usaram um #ondavermelha, respondendo a um chamamento da campanha do PT na rede. Até o candidato a governador Aloizio Mercadante elogiou quem engrossou o coro contra o jornal.

Mas é um erro pensar que apenas zumbis petistas incitados por lideranças botaram fogo no Twitter. O partido não chegou a esse nível de competência computacional.

Na manada anti-Folha, havia muito leitor indignado, gente que não queria perder a piada, além de velhos ressentidos com o jornal.

Não dá para desprezar essa reação e a Folha fez isso. Não respondeu aos internautas no Twitter e não noticiou o fenômeno. O “Cala Boca Galvão” durante a Copa virou notícia. No primeiro debate eleitoral on-line, feito por Folha/UOL em agosto, publicou-se com orgulho que o evento tinha sido um “trending topic”. Não dá para olhar para as redes sociais apenas quando interessa.

A Folha deveria retomar o equilíbrio na sua cobertura eleitoral e abrir espaço para vozes dissonantes. O apartidarismo -e não ter medo de crítica- sempre foram características preciosas deste jornal.